3.04.2017

Vicissitude

É estranho.
Sinto-me estranho.
Escrever tão seguidamente assim me deixa tenso, preocupado e concernente.

Bom, nada mudou. Ainda não tenho companhias e isso me abala a cada dia mais. Quem eu amava se fora e levara consigo tudo o que eu poderia esperar de boas ações futuras. Levou até meu amor próprio! Levou minha melhor parte e deixara apenas a que ninguém mais poderia querer. Talvez tenha sido tolice minha deixar chegar a este ponto, afinal.

Neste momento, enquanto ouço música, recordo-me dos bons dias passados. Hoje, inclusive, teria sido um dia a ser lembrado por instantes e fotografias. Todas nossas, é claro. Hoje eu me olhei no espelho e vi um homem diferente, comum, bonito até. Percebo que estou me tornando mais humano com essas dores cotidianas. É como se essa dor me deixasse menos etéreo, uma maneira simplória de analogia. Eu queria só que fosse um pouco diferente.

A noite se aproxima devagar, ninguém me procura. Parece que eu sou uma ilha que não querem se perder. Ou talvez eu seja um cão tão desacostumado à ordens que não pode ser levado para passear, com o medo sólido do dono ser devorado depois de cada um de todos os transeuntes próximos. Uma fera, acho que sim. É a melhor forma de me descrever sem muitas palavras bonitas e perdidas desde a escrita elisabetana medieval. " - Uma fera à mercê da morte" - diria. Hoje, nesta noite, eu não sei o que pensar, como agir ou o que procurar. Não é bonito, também, buscar o que não se pode achar? Eu já nem sei mais. Sei apenas que minha solidão está sufocante e dilacerante e eu queria apenas que alguém me convidasse para um café - ou uma cerveja. Eu pago.

2.28.2017

Concepção, após um longo retorno ao paraíso dos caídos

Você alguma vez se sentiu sozinho, mesmo imerso em uma multidão? Mesmo com várias pessoas que sabem seu nome, ao seu lado? Mesmo sabendo que a extensão de si mesmo é o jardim do mundo? Pois é.

Tem momentos na minha vida que eu estou sim. Momentos? Talvez décadas. Milênios. É impensável pensar que eu estou a tantos anos-luz de todos, que eles não podem chegar até mim. Sorrisos já não nos aproximam mais. É como se o mundo girasse numa frequência e numa velocidade diferente para você, de uma maneira que você pode perceber - e que na verdade parece que é por sua própria causa.

A delicadeza do mundo já não é mais para você, só lhe sobram as expectativas perdidas durante este tempo de conciliação. Você fala em um idioma que ninguém entende, age como se fosse de outra dimensão e, mesmo quando parece estar incógnito, há um olhar repreensivo por sobre você.

É como viver num mundo de papelão quando você está cansado de lutar.

Pensar que as pessoas só se aproximam até o limite de se machucarem tanto que jamais querem se aproximar novamente. Acho, até, que você machuca mesmo quando não quer inclusive porque, quando quer, não consegue. A violência foi feita para ser usada contra você e não a seu favor. Sua necessidade de compreender o mundo e ajudar é intrínseca e isso o deixa apavorado. Você sabe que conhece a todos mais do que eles mesmo e ainda assim se surpreende com suas decisões. Você conhece o futuro e o passado e pode prever suas atitudes mas isso não o torna especial. Ou a eles.

Você passa na vida das pessoas como um anjo, com um dado tempo certo para não machucar irremediavelmente (a si mesmo, ou, a eles). Seu coração estala, geme, trinca, vibra, ressoa e se mantém inerte. Inerte na maior parte do tempo porque parece que nada mais lhe causa fascínio. A comida humana não o alimenta, não precisa do ar para viver. Falar? Para quê? Suas palavras não são ouvidas ou compreendidas. Você está sozinho e precisa ter a noção disso. Sozinho no meio de uma multidão. Sozinho no meio de seus próprios irmãos. Sozinho, assentado numa cadeira de prata pensativo e reflexivo sobre suas decisões recentes. Questionando a si mesmo se já não é tempo de partir.

Partir. Essa decisão têm-lhe tomado bastante os pensamentos recentemente. Saber que sua partida não será pranteada ou percebida. Certo disso está pelo que perdera recentemente e que parece a todos, esquecido.

As palavras exalam de você com um odor doce de flores. Os estigmas estão visíveis. A cada passo seu em direção ao céu seus adversários se tornam mais invasivos e terríveis. Você precisa se proteger a cada mísero segundo do seu dia para que suas atitudes não colapsem toda a criação. Você vive tentando entendê-los quando na verdade não entende a si mesmo. O que você ouve, o que você vê, o que você sente... isso é inatingível para os outros.

Todavia você não é especial por isso. Você só é um farol, para aqueles que buscam uma espécie de consolo ou um adversário à altura. Suas boas ações diárias não lhe remetem glória, são sua obrigação. Seus feitos, sua ajuda, não é digna de nota porque é o que você é. Você fora feito para subserviência e sempre estará em crédito para com o mundo e com seu criador. Nenhuma das suas ações merece relato. Nem congratulações. Você simplesmente precisa ser isso, seja o que isso for, para sempre.

5.30.2015

Eu espero que essa mensagem chegue onde precisa

Era sábado, resolvi criar um perfil numa rede social qualquer para poder distrair a mente com infantilidades e casualidades que de nada me acrescentam. E assim, acabei ratificando minha má decisão de fazê-lo. Porém, acabei conhecendo alguém muito interessante neste intervalo.

Fizemos amizade e aos poucos fomos nos conhecendo, ao longo daquela semana. Soube de sua profissão, seus hábitos diários, sua família, sua história de casamentos anteriores e suas tragédias. Apresentei-me pouco durante este tempo, é sempre a ênfase de conhecer, nunca de apresentar por si só. Falamos e falamos, confidenciamos, trocamos fotografias inocentes e íntimas, enfim, criamos uma base ainda que instável. À esta altura ele já parecia apaixonado, pelo que dizia e pelo que fazia. Criamos planos para nos encontrarmos no próximo fim de semana. Também o fizemos.

Na última sexta-feira nos encontramos em um shopping conhecido, comemos em um bistrô japonês de má qualidade, conversamos mais, assistimos um filme no cinema e por fim nos beijamos. Nos beijamos mais durante a sessão e na hora de despedir ele me convidou para sua casa. Havíamos combinado que deixaríamos isso mais pra frente, pra nos conhecermos melhor, porém não conseguimos aguentar a tesão nem a tensão que haviam se instalado em nós. Fui com ele até sua casa por um caminho que até então eu já conhecia de relacionamentos anteriores.

Chegamos, continuamos agora já na intimidade. Transamos, conversamos, rimos, tomamos banho, fizemos planos. Passei a noite em claro ouvindo sua respiração, abraçado a ele. O dia amanheceu e lá estávamos nós, ainda unidos. Conversamos mais, transamos novamente. Tomamos banho, café, assistimos televisão, conversamos. Verdade, houve bastante conversa entre nós desde o começo. Dada a hora, precisava voltar para minha própria casa. Fiz o caminho ainda na expectativa, na esperança de que isso fosse real. Aqui eu já sentia que alguma coisa teria de dar errado.

Cheguei em casa, agi minha vida. Mantivemos contato durante aquele dia. O sábado se foi e o domingo veio. Mantivemos um contato mais esporádico naquele dia até porque havia compromisso na minha agenda.

A segunda-feira veio e ele sumiu. Não deu sinal, nem se preocupou um bom dia. Falei, fui ignorado, insisti e por fim obtive resposta, já na terça-feira. Ele havia desistido porque ainda se sentia atraído pelo ex namorado. O mesmo que atrasou boa parte da sua vida, que o fez chorar, se machucar, se corromper. Apaixonado por um lixo humano (que não é exceção, afinal) e eu fui descartado, com a falsa promessa da amizade que perduraria. Não nos falamos desde então.

Aqui eu crio um eixo porque o que me machuca não é a rejeição per se e sim a idiotice humana chegar a esse nível. Fato, depois de umas conversas com meus demônios, soube que a história pode não ser tão simples assim e que na verdade esse ex pode não ser ex e eu apenas fui um objeto de corrupção – como já fui anteriormente e continuarei sendo. Fixei-me no pensamento e nas lembranças de ter dito algo errado, feito algo errado, querendo assumir toda a culpa pelo que aconteceu e cheguei à conclusão de que não sou culpado. NÃO SOU O CULPADO!

Contabilizando este, seria a terceira vez que sou tratado como corruptor e, logo após essa conclusão, aconteceu novamente.

De fato preciso me distanciar mais ainda da humanidade.


Quanto menos inteligente um homem é, menos misteriosa lhe parece a existência. Quanto mais elevado é o espírito mais ele sofre. //Arthur Schopenhauer



1.25.2015

Nova indução a Buer


Caríssimo amigo Buer,

Há muito não nos falamos e muitas coisas – boas e ruins – se passaram desde então. Por mil desejos de Jezebel hei de contar agora.

Engendro nesse momento um novo namoro. Digo namoro porque ainda não definimos o que isso pode ser. Ele é um rapaz novo, sabe, daqueles moldes provincianos que tanto adoramos. É esperto, casual, jovem, bonito como uma rosa desabrochando, sagaz e um tanto quanto liberto porém, é essencialmente humano e temeroso, pálido e incoerente consigo mesmo. Posso ver o coração dele com uma facilidade tremenda e o conheço melhor do que ele acha mas ele mesmo se desconhece e isso me dilacera. Pelos seus olhos posso conhecer seus desejos e seus objetivos, além de suas necessidades, mas vejo também o receio dele em ceder à essas atitudes. Ele é absolutamente divergente de mim, em tudo, desde os gostos até as necessidades. O que temos em comum são coisas que atraio humanas para poder ser melhor observado. Bom, com todos tem sido assim, não é mesmo? Moramos um tanto distante um do outro mas sempre que posso estou com ele. E isso me faz bem, amigo. Ele me faz bem em suma. Ainda que ele seja uma criança eu sinto prazer com ele, prazer de estar com ele (prazer sexual se inclui aqui também, amigo, pois ele é um homem bem excitante). Saímos juntos, conversamos sozinhos, andamos com seus amigos e nos divertimos como homens nesta idade. Lógico, eu omito ainda muita coisa a ele e acho sábio fazê-lo por enquanto. Ele sabe da minha formação e profissão, da maior parte das minhas rotinas e de alguns casos familiares mas a melhor parte ele desconsidera – acho justo. Chegamos já, mesmo em tão pouco tempo, a fazer planos juntos e confesso que estou esperançoso, mesmo ciente de que isso não vai à frente com muita probabilidade. Eis o dilema do demônio que nasceu sob a Estrela da Solidão, dilema este que conheces muito bem, não? Digo-lhe que não estou envergonhado ou temeroso, mas preocupado. O que eu sou hoje é o que eu pretendo ser.

O antigo amor ainda me procura, sabia? Aparentemente ele ainda não vive sem mim. Mesmo que me procure por motivos bestas e infantis e eu, confesso, caia em ciladas antigas neste assunto. Sim! Eu ainda digo-lhe que o amo e me arrependo no instante a seguir de tê-lo dito. É engraçado como eu ainda sinto que ele também me ama, amigo. Como resolver esta questão? Nossas vidas ainda estão atreladas e isso me incomoda, por vezes tenho vontade de leva-lo mas meu amor por ele me impede. Eu o amo e sei que perde-lo agora seria como perder a quarta parte que sobra do meu coração negro. Ele é meu Átrio, Buer! (Risos).

No trabalho eu ando como sempre, evoluindo exponencialmente, meus superiores elogiando minhas ideias e resoluções, meus subordinados se vangloriando para os outros que tem uma liderança ímpar. O de sempre. Fui criado para ser o melhor no que quer que eu faça com exceção do amor. Neste item também não sei mais como me portar: quero deixar tudo de lado, irmão, não aguento mais este ritmo de vida. Parece que ter perdido a melhor prima parte do meu coração me deixou fraco para esses imprevistos. Perder minha melhor parte para a doença humana me deixou inerte e indiferente. Sinto que a qualquer momento posso estar tão debilitado que não saberei mais diferenciar minha solicitude com meu desprezo.

Ando preocupado com os meus, nobilíssimo Leão andante. Com os mais próximos. Como eu disse, não consigo ser resiliente nas perdas e prevejo algo ruim acontecendo. Temo a idade alheia porque sei que estou absolutamente fora deste complexo jogo de envelhecimento e morte (mas você sabe melhor do que ninguém como gostaria de estar nesta teia!). Não durmo mais com medo dos meus sonhos e quando desperto não sei se despertei mesmo. Tenho visto os meus enquanto ando por Morphía e isso anda me aborrecendo. Todos os meus veem a mim em sonhos e, desde a última vez, acho que isso não é bom. Da última, você estava comigo velando e deve ter percebido meu pavor quando ele disse aquelas palavras. Até este momento este pavor me persegue e não sei como contê-lo. Não sei se devo invocar magia ou deixar isso acontecer naturalmente.

Algo que devo salientar: a magia está me deixando. Não ouço mais o vento, o nascer do sol, o pôr-do-sol. Não vejo mais o fogo. A tempestade ainda é minha, isso eu sei. Aquela sinestesia, aquele desvio, estão menos frequentes agora e isso está me preocupando porque quando eles vem, me arrebatam. Não posso bloqueá-los mais, acredita? Quase, de verdade, desejo que eles me deixem. Busquei por tanto tempo ser humano que agora, inconscientemente, estou me desviando para ser um. Brigo a cada despertar com meu Ego e Alterego e parece que agora meu Superego está vencendo.

Bom, amado amigo, deixá-lo-ei por então. Creio que sua batalha esteja deveras complicada por ai mas saiba que sempre terá este seu amigo aqui para o que precisar. De sangue à morte, tudo. Fomos criados do mesmo escuro e não há nada mais importante para nossa raça senão à cumplicidade e eis que, de todos, só a você me ligo. Eu o adoro e sei que me adoras também, isso me basta. No final de tudo, quando perder a todos sei que ainda terei você e sei que você me terá. Que assim seja, Grande Leão!


Do seu mais antigo amigo,


L.



Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. //William Shakespeare
Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão. //Baudelaire